segunda-feira, 13 de dezembro de 2010


TERESA STICH-RANDALL



Apeteceu-me escrever sobre esta norte-americana, uma das maiores intérpretes de Mozart da história.

Veio muitas vezes a São Carlos, felizmente. Podemos aqui vê-la, numa foto da época, como a Donna Anna de um Don Giovanni cantado no nosso principal palco lírico em 1961, em récitas que foram de arromba, com Eberhard Waechter, Montserrat Caballé, Waldemar Kmentt, e outros deste calibre. Teresa Stich-Randall, dentro de séculos vai ser entre nós recordada como a primeiríssima Fiordiligi do nosso país, a 7 de Fevereiro de 1958, com tudo o que de vergonhoso esta afirmação acarreta: a ópera Così fan tutte de Mozart estreou-se em Portugal quando Humberto Delgado andava a preparar-se para demitir Salazar !!!

Passemos à frente, para não enrubescermos.

Nunca ouvi Teresa Stich-Randall ao vivo, mas a audição da ária Porgì amor d' As Bodas de Fígaro, há já cerca de 35 anos, num pickup pousado ali para os lados da Luz, deixou-me boquiaberto, pela pureza de emissão, pelo redondíssimo desenho da frase, pelo legato inquebrantável, pela sinceridade dramática. Fiquei varado. E a partir daí nunca mais a deixei.

Uns anos depois daquela primeira audição, aí por meados dos Anos 90, tive a ideia de realizar um programa para a Antena 2 dedicado às gloriosas vozes que passaram pelo palco de São Carlos. Atenção: à Antena 2 da altura, que nada tem a ver com a de agora, com alguns programas que são puro vómito cultural.

Conversei então com enormes cantores - Nilsson, Corelli, Tebaldi, Zeani, Varnay, Bergonzi, Cossotto, Cappuccilli, Ghiaurov, Kabaivanska, Olivero e outros assim por lá passaram, em entrevistas exclusivas, mas disso poderei vir a falar futuramente. Tenho de confessar, porém, que Stich-Randall foi uma das personalidades que mais me comoveu.

A mulher era única! Disse-me coisas absolutamente inesquecíveis nessa entrevista, a primeira das várias que depois lhe fiz. Fiquem-se com esta frase: Eu, quando cantava Bach, sofria com a beleza!

Estas coisas ficam!

E apetece-me recordar aqui um episódio quase risível para todos, menos para mim, que o vivi.

A grande cantora deu-me, depois da entrevista para o programa "Vozes do São Carlos", o seu contacto telefónico e a sua morada em Viena, onde residia então, fazendo-me prometer que quando eu fosse àquela cidade a contactaria.

Olha a dificuldade!

Estive, de facto, cerca de um ano depois, na cidade das valsas para me regalar durante uma semana com duas récitas de "Roberto Devereux" com Gruberova e duas de "A Valquíria" com Domingo e Behrens e Morris.

Mas não foram estas récitas a única coisa que ouvi. Nem a melhor! É que, assim que cheguei a Viena, telefonei de imediato a Stich-Randall. Confesso que me deixou apalermada a memória auditiva da senhora. Assim que me ouviu as primeiras palavras, disse de imediato: - Oh, the portuguese... Mesmo antes de eu ter dito quem era!

Não a vi, para grande desgosto meu, pois agora ... só noutra vida. Ela disse-me que o cabeleireiro não tinha podido ir a sua casa e que não recebia ninguém com o aspecto com que estava.
- Of course, madam!
Mas, à conversa, ela disse-me, entre outras coisas,que cantara a cena final da Salomé, que cantara o Requiem de Verdi, e, a certa altura, chuta-me que Handel também tem música muito bonita, e que - Ohhh! I remember now! - cantara a Alcina deste compositor em São Carlos. Eu disse-lhe que dava tudo para poder ter ouvido essas récitas. E ela decidiu presentear-me então com a música de Haendel. Num italiano estranhamente exótico confessou: Io adoravo cantare quel'aria "Piangerò"!
E (e aqui é que eu subi aos céus!) não é que se pôs a cantar, com a sua incolumemente puríssima voz, pois assim me soou ao telefone, o início da ária. Piangerò! Piangerò, la sorte mia!, da ópera Giulio Cesare?
Eu fiquei mudo e quedo. Quanto mais aquilo durasse, melhor, qualquer ruído meu poderia pôr fim à magia. Foi cerca de um minuto, deixei-a recordar-se, ficar outra vez cheia de música.
Foi lindo! Nunca mais esquecerei.

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